Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Janeiro de 2010.
– Na sequência final de O Fantástico Sr. Raposo, o protagonista pega uma maçã no supermercado e comenta sobre como ela não parece sequer ser real, mas ao menos tem belas estrelas pintadas em sua casca. Naquela maçã, Wes Anderson nos oferece uma (tentativa de) síntese literal de seu próprio cinema;
– O Fantástico Sr. Raposo solidifica a impressão de que, para esse cinema do artifício, a matriz principal é a literatura infantil. Isso se dá em parte pela animação, mas apenas por ela revelar que suas composições rigorosamente frontais têm menos de retrato familiar (como em Ozu ou Terence Davies), ou da convergência de pontos de fuga para dentro da composição (Chantal Akerman, Takeshi Kitano, Tsai Ming-liang), do que da mise en scéne das ilustrações de livros infantis – onde Lewis Carrol é a provável matriz primeira – em especial de edições como as da coleção No País das Maravilhas, que fotografavam reencenações de trechos das fábulas usando bonecos. Em O Fantástico Sr. Raposo, esse dado se torna incontornável, mas nos move a repensar, por uma outra chave de aproximação, aquele sentimento de “filme de maquete” (ou de casa de bonecas) indicado pelos travellings verticais e horizontais que tomam a obra de Anderson mais marcadamente desde Os Excêntricos Tenenbaums (2001);
– A matriz da família Raposo é a mesma, portanto, da família de coelhos em Império dos Sonhos (2006), de David Lynch. A diferença entre os dois olhares está na maçã estrelada do final do filme: enquanto Wes Anderson nos apresenta este universo com a segurança de uma encenação evidente, David Lynch nos injeta insegurança ao filmá-lo como algo que se crê real;
– Em retrospecto, a construção da República no último terço de O Fantástico Sr. Raposo – com direito ao personagem que se descobre atleta – não é nada surpreendente, deixando mais clara uma inclinação que já aparecia em todos os seus filmes anteriores. O único cineasta recente norte-americano que parece ter trabalhado com crença semelhante uma idéia de vocação – mesmo quando ela é uma habilidade adquirida – dentro do corpo social é M. Night Shyamalan, em Sinais (2002);
– Assim como o stop motion abre o universo de Anderson a uma compreensão mais límpida, o formato por vezes leva seus filmes a limiares de frieza que ultrapassam consideravelmente os de seus filmes anteriores. Embora esse gelo adocicado sempre tenha sido uma marca do diretor, em O Fantástico Sr. Raposo ele é tão onipresente que ganha um corte clínico um tanto perturbador.